Piauí entrou com ação requerendo a posse de 2.821 quilômetros
quadrados na divisa do Estado com o Ceará; tudo começou quando o CE
cedeu parte do seu litoral ao PI
Os 12 mil habitantes do pequeno município de Poranga, localizado a
344 quilômetros de Fortaleza, vivem na fronteira da imprecisão. As 3.398
residências da cidade estão dispostas ao longo de uma estrada de 30
quilômetros na divisa dos Estados do Piauí e Ceará. Apesar de pertencer
ao Ceará, o Piauí reivindica 66% da área do município.
A dúvida de quem nasceu e mora em Poranga é se a cidade continuará
pertencendo ao Ceará, como tem sido ao longo de toda a história, ou se
verá mais da metade de seu território, de um dia para o outro, passar a
pertencer ao Piauí.
Os moradores de Poranga dividem essa incerteza com outros cearenses e
piauienses. Isso porque o governo do Piauí ingressou com uma ação cível
em agosto de 2011 no Supremo Tribunal Federal (STF) requerendo a posse
de 2.821 quilômetros quadrados de território na divisa com o Ceará. Se a
corte julgar o pedido procedente, além de Poranga, parte do território
de 13 municípios hoje do Ceará passarão a pertencer ao Piauí. Do outro
lado da divisa, sete municípios piauienses também seriam desmembrados e
incorporados ao Ceará.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de
2010, contabilizou a população dessas áreas em litígio para os dois
Estados nordestinos. Estima-se que aproximadamente 29 mil pessoas
constam na contagem tanto do Piauí como do Ceará.
Foto: Arte iG
Área em disputa entre Piauí e Ceará
Disputa secular
A briga remonta ao Segundo Império (1840 a 1889), de Dom Pedro II, e, de lá para cá, fez a área de litígio entre os dois Estados ficar conhecida como “Faixa de Gaza do Nordeste. Isso porque o próprio governo do Piauí, na ação, alega que o território virou “terra sem lei”.
Foto: Divulgação
Serra de Ibiapaba
Tudo começou em 1880, quando o Ceará cedeu um pedaço de seu
litoral para o Piauí, que não tinha acesso ao mar, e precisava exportar
seu algodão. A região era chamada de Freguesia da Amarração, hoje onde
estão os municípios de Parnaíba e Luís Correia. Em troca, o Ceará ficou
com a Freguesia da Comarca Imperial, no sopé da Serra da Ibiapaba, onde
atualmente fica o município de Crateús.
Feito o acordo, a divisa foi demarcada, mas não com a precisão devida. Desde então, os dois Estados travam uma batalha para definir a quem pertence o que. Em 1920, um convênio arbitral tentou pôr fim à questão, contudo, fracassou. À época, um árbitro _um governante de outro Estado sem interesse na disputa_ foi nomeado para traçar a linha demarcatória, o que nunca ocorreu. Entretanto, é nesse documento do começo do século passado que o Piauí baseia a sua ação.
Sem entendimento
Feito o acordo, a divisa foi demarcada, mas não com a precisão devida. Desde então, os dois Estados travam uma batalha para definir a quem pertence o que. Em 1920, um convênio arbitral tentou pôr fim à questão, contudo, fracassou. À época, um árbitro _um governante de outro Estado sem interesse na disputa_ foi nomeado para traçar a linha demarcatória, o que nunca ocorreu. Entretanto, é nesse documento do começo do século passado que o Piauí baseia a sua ação.
Sem entendimento
Agora, o Piauí não questiona apenas o direito da posse do território
cedido ao vizinho em troca do trecho no litoral, como também coloca em
xeque outras duas áreas, perfazendo praticamente toda a divisa entre os
dois Estados. O governo piauiense só não tem dúvidas sobre o que recebeu
no acordo de 1880.
O procurador geral do Piauí, Kildere Ronne de Carvalho Sousa, diz que
o Estado tenta desde 2003 um entendimento com o Ceará. “O que a gente
percebeu é que a questão não se revolvia. Se tiver de haver um acordo,
que seja feito por meio da Justiça. Porque os acordos passados não foram
cumpridos”.
Segundo o procurador, em sua última proposta, antes de recorrer ao
Judiciário, o Piauí sugeriu dividir as três áreas em litígio. As duas
menores passariam a pertencer ao território piauiense. Já a área maior,
permaneceria com o Ceará. O inverso também foi sugerido, mas o governo
cearense não aceitou.
O governo piauiense se baseia no convênio arbitral de 1920, alegando que a Serra da Ibiapaba seria a divisão natural que demarca a divisa nas regiões hoje indefinidas. “O que ficar ao ocidente é do Piauí e ao oriente, do Ceará”, explica Kildere Sousa.
O governo piauiense se baseia no convênio arbitral de 1920, alegando que a Serra da Ibiapaba seria a divisão natural que demarca a divisa nas regiões hoje indefinidas. “O que ficar ao ocidente é do Piauí e ao oriente, do Ceará”, explica Kildere Sousa.
Do outro lado, a Procuradoria Geral do Ceará (PGE-CE) sustenta
que o Piauí está tentando “forçar judicialmente uma redefinição das
divisas com uma demarcação que desrespeita a continuidade das posses”. O
titular da Procuradoria do Patrimônio e do Meio-Ambiente (Proprama),
Diogo Musy, defende o critério ocupação para definir a posse ao invés de
uma demarcação geográfica, como quer o Piauí.
Em sua contestação apresentada ao STF, a PGE-CE diz que o convênio
arbitral de 1920 no qual se baseia o Estado vizinho “não passou de uma
carta de intenção política”. O texto diz que o documento “caducou”, pois
nunca foi cumprido. Isso porque a demarcação prevista nele nunca foi
feita na prática.
O governo do Ceará rebate ainda a afirmação de que as áreas de litígio são “terra sem lei”. “Há uma gama de equipamentos públicos de saúde, educação e de lazer custeados pelo Ceará e pelas prefeituras”. A procuradoria lembra que o Estado possui 75 escolas nos 14 municípios cearenses.
O governo do Ceará rebate ainda a afirmação de que as áreas de litígio são “terra sem lei”. “Há uma gama de equipamentos públicos de saúde, educação e de lazer custeados pelo Ceará e pelas prefeituras”. A procuradoria lembra que o Estado possui 75 escolas nos 14 municípios cearenses.
Omissão
Além do Piauí, o Ceará tem problemas de definição das divisas, em
menor medida, com os Estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco. Na
Assembleia Legislativa do Ceará, uma comissão comandada pelo deputado
Neto Nunes (PMDB) tenta, desde 2009, soluções amistosas com os vizinhos.
Neto Nunes critica a atitude do governo piauiense.
Neto Nunes critica a atitude do governo piauiense.
“O Piauí tem sido omisso com a população que está querendo para si.
Nunca deu assistência, não levou energia, não levou água, não levou
escola, não levou saúde e não fez anda por aquela população. Como pode
dizer hoje que pertence ao Piauí?”, questiona.
A ação
Em sua contestação, a PGE do Ceará pede que o STF julgue a ação do Piauí como improcedente. Contudo, por trás das alegações e do discurso duro do deputado cearense, há uma movimentação no sentido de que o processo seja suspenso e as negociações voltem acontecer na esfera política.
Em sua contestação, a PGE do Ceará pede que o STF julgue a ação do Piauí como improcedente. Contudo, por trás das alegações e do discurso duro do deputado cearense, há uma movimentação no sentido de que o processo seja suspenso e as negociações voltem acontecer na esfera política.
No site do STF, na página referente à ação cível originária (ACO) –
1831, consta que, no mês de fevereiro deste ano, a União propôs submeter
a questão à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal
(CCAF) e suspender o processo. Porém, no último dia 29 de março o
mandado da intimação para que o Piauí se pronunciasse sobre a proposta
foi devolvido.
O relator responsável pela ação no STF é o ministro Dias Tófffoli, 44
anos, indicado para a vaga na corte em 2009. Ele é formado em Direito
pela Universidade de São Paulo (USP) e tem especialização em Direito
Eleitoral.Fonte: Portal IG
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